Sem marcas
31/03/2008

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Ilustração Marcelo Pitel 

Ela era magricela, mas tinha uma bunda grande. Ela tinha absoluta certeza de que não agradava os olhares dos meninos da escola. Sabia que seria a última a tocar os lábios de um guri. E realmente o foi. De suas amigas, foi a mais atrasada de todas. Sua mania era falar sobre música. Ela gostava. Talvez porque seu pai gostasse também. Desde criança ouvia os quadros dançarem nas paredes que se moviam por causa do alto volume do som. Ela sentia que, ao falar de bandas e grandes shows poderia fazer diferença àquelas alturas. Já que achava que os meninos não a olhavam como uma mulherzinha.Sua amiga beijou. E contou à magricela de bunda grande. Ela ficou feliz pela amiga, pois imaginou que poderia ser a próxima.Sua outra amiga beijou também. E também foi a primeira a ficar sabendo. Seu tênis verde, de lona, modelo All Star, de cano médio não era All Star. Era Rainha. Ele acusava a sua diferença entre a turma. Ninguém usava um tênis de lona verde. Não era moda. Mas ela não tinha dinheiro e sua prima havia deixado de usá-lo porque não era moda. As calças jeans, justas, coladas no corpo denunciavam a silhueta de uma mocinha que, ao se formar mulher, teria o quadril largo e cintura fina. As camisetas largas e compridas serviam para esconder as alças do sutiã. Pura vergonha. Mas não poderia deixar de usar o sutiã. Seus seios continuavam a crescer e começava a aparecer o formato arredondado e pontudinho de seus mamilos rosados. Acusava que seriam medianos. Mas aquilo não importava porque os meninos não os viam. As fitas cassete eram a febre do momento. E todas as tardes, depois do almoço que era servido depois de ter chegado da escola, ela se parava em frente ao rádio de seu pai, sintonizava uma rádio legal, esperava uma música legal e apertava o botão que se chamava REC. À tardinha, ia para o trabalho. Era repetitivo, mas até que ela gostava. Trabalhava com pessoas bacanas e adorava conversar com o patriarca daquela família de empreendedores. Ela ainda esperava um beijo. Ficava sempre vendo os guris bonitinhos da escola. À tarde, durante as gravações, imaginava o locutor com a voz bonita que anunciava as músicas que ela gravaria. Amava, platonicamente, o locutor, sem ter visto seu rosto. O tênis verde ainda resistia. Assim como o jeans justo, agora já batido e desbotado. Suas colegas já usavam o jeans begg, uma espécie de calça com quadril largo. As camisetas mudavam de cor, de estampa, mas continuava sendo as camisetas que escondiam a alça do sutiã. Sem marcas. Nenhuma marca. Pura vergonha. Naquela noite de sábado, após o trabalho que se estendia até a meia-noite, ela esperançava o primeiro beijo. Mas sabe-se lá… ela não andava na moda, se achava esquisitinha e não usava tênis bacana. Achava que nenhum menino a olharia.Mas tinha uma blusa justa no armário. Seu decote era profundo. Mostrava seu colo que já era sensual para sua idade. Mas não deixava à mostra os seios esbranquiçados de pequenos mamilos rosados. Não abriu mão do seu jeans, nem mesmo no sábado, ainda que não fosse moda aquele modelo tão justo. A blusa mostrava o colo, mostrava seus ombros e acusava que ali dentro havia um par de peitos.Um guri, que conversava sobre música, que conhecia a rádio bacana da qual esperava, todas as tardes as músicas para gravar, foi se chegando. Era amigo, do amigo da amiga que a acompanhou. Ela também já tinha beijado. Ele era bonitinho, tinha cabelos escuros e vestia um jeans surrado e cortado nas barras. Meio desfiado. Falava coisas bacanas sobre música. Ele também tinha fitas cassetes. Ele era legal. E a blusa acusava que ali tinham peitos. Pensou que devesse ter vestido uma camiseta. Ele não parava de olhar. Pura vergonha. E ele a beijou. E sua blusa marcava seus seios. Ele beijou-a de novo. E no abraço apertado, ele sentiu que ali havia um par de peitos.

Cláudia Kunst